“Thinking, fast and slow” de Daniel Kahneman – PARTE IV

Kahneman dedica a terceira parte da sua obra a uma questão muito profunda, chamada de “ilusão da compreensão”.

Nós acreditamos compreender – e controlar – o mundo ao nosso redor. Nassim Taleb, autor da “Teoria do cisne preto”, introduziu o conceito de “falácias narrativas” para descrever como funciona o mecanismo que nos leva a ter a sensação que compreendemos o mundo: diante de uma série de eventos consecutivos, elaboramos uma história que tem relação e dá sentido ao ocorrido.

Essas histórias são sempre simples e concretas, e representam um papel destacado para o talento ou a estupidez humana. Sempre se concentram em coisas que ocorreram - de forma inevitável, ao nosso parecer - no lugar das inúmeras coisas que não aconteceram e que poderiam ter mudado completamente a história.

É difícil reconhecer o efeito da sorte em nossas vidas. Como aceitar que o nosso sucesso profissional pode ser possível graças ao acaso? Um determinado dia, em uma decisão que parecia irrelevante, decidimos A em vez de B, e isso ocasionou uma série de acontecimentos que terminaram em sucesso. Pensamos que será inevitável formar uma família com o nosso parceiro, mas de repente muitas outras pessoas passam em nossas vidas e tudo muda.

Buscamos continuamente tentar corrigir nosso passado para algumas coisas "fazerem sentido". A avaliação do passado cria a ilusão de que poderíamos ter previsto o que aconteceu, por exemplo: quando duas equipes de uma liga de futebol vão disputar um lugar na classificação. Existe um equipe favorita para vencer, porém o time rival joga melhor e ganha o partido. Após o jogo ser finalizado, você e seus companheiros buscam sinais ou problemas que a equipe favorita" enfrentou e "por conta desses motivos", perdeu o jogo.

Quando pensamos no Google, acreditamos que seu sucesso era inevitável: tinham uma tecnologia de busca superior, tomaram boas decisões e tudo foi uma série de consequências determinadas. Até podemos pensar que eles tiveram sorte: em uma ocasião, estavam a ponto de vender a companhia por um milhão de dólares, mas o comprador desistiu pois achou o preço muito excessivo. Encontrar um ou dois fatores de sorte na história que criamos nos dá realismo e, de forma inevitável, nós adoramos.

A realidade é muito diferente: os fundadores do Google tomaram inúmeras decisões críticas e todas elas tiveram um resultado. Muitas delas tiveram um resultado positivo, mas não pela razão que esperavam seus fundadores. Sim, Google teve sorte. Outros  concorrentes tomaram algumas decisões ruins, mesmo que logicamente pareciam positivas, e normalmente julgamos o fracasso como uma "cegueira". Estamos acostumados a associar uma história bonita com o êxito.

Estamos cansados de escutar histórias de vencedores.. pouquíssimas dessas pessoas afirmam que o segredo do seu sucesso foi a sorte que tiveram em determinado momento. E, obviamente, nunca chegam aos nossos ouvidos essas histórias de homens e mulheres que alcançaram o sucesso através da sorte!

A ilusão da validez

Relacionando com o conceito citado acima, Kahneman nos explica outro fenômeno conhecido como a "ilusão da validez”. A melhor forma de explicar é usando o exemplo do próprio autor.

Em determinada ocasião, Kahneman e alguns colegas visitaram um escritório do Wall Street para um bate-papo sobre vieses cognitivos. Daniel fez uma pergunta-chave em relação à atividade da empresa: "Quando vocês vendem  uma ação, quem compra?". "Outras empresas como a nossa", disse o diretor de investimentos. "Então, o que faz você pensar que os compradores realmente sabem algo que os vendedores não sabem e que sua compra será um êxito?".

A dúvida realmente era pertinente. Eu não sei se você já pensou, mas a existência da bolsa é surpreendente. Se baseia em pessoas, supostamente "bem informadas", que compram e vendem ações; os compradores pensam que as ações valem mais do que o mercado julga e o vendedor sempre pensa que as ações valem menos. Em outras palavras, as ações da bolsa só funcionam porque todo mundo acredita ser mais esperto que os outros!

A bolsa funciona graças a "ilusão da validez". Kahneman colaborou com uma dessas empresas de investimento. Eles explicaram que havia um sistema de bônus salarial para os agentes  que, no final do ano tenham uma rentabilidade maior que o mercado (a rentabilidade é calculada se você retem ações, sem comprar ou vender). Kahneman estudou se realmente os resultados dos agentes era uma habilidade profissional ou acaso. A cada ano, os agentes superavam a rentabilidade do mercado. Se o resultado foi devido a uma habilidade profissional, alguns agentes devem superar o mercado de forma constante ao longo do tempo, ano após ano. O estudo não mostrou correlação entre os agentes e o  sucesso sustentado: aqueles que tiveram um ano bom, no ano seguinte sua atuação foi péssima.

Depois de apresentar os resultados do seu estudo para o responsável da empresa, ele simplesmente se recusou a aceitar: seus anos de experiência valiam mais do que um fato estatístico simples. A ilusão de validade estava operando.

Mas por que esses funcionários, inteligentes e treinados, não aceitam o fato de que não é possível melhorar o retorno médio do mercado de ações? Kahneman sugere que seu trabalho é altamente especializado e difícil, eles revisam dados, saldos, informações sobre a indústria, a qualidade da equipe de gestão... Por que eles tem um conhecimento preditivo das empresas, quando na verdade a questão não é se nós sabemos bem o que acontecerá com a empresa, mas se você sabe melhor do que as outras pessoas que estão fazendo o mesmo.

 

A intuição esperta

Se acreditamos que somos mais do que realmente fazemos, isso significa que um especialista não pode ter percepções precisas com base em seu conhecimento e experiência?

Kahneman é muito crítico com o conceito de intuição. Muitos autores já compartilharam casos espetaculares de intuição: especialistas em arte que identificam uma obra falsa sem poder explicar o por quê, bombeiros experientes que no meio de um incêndio conseguem fazer com que pessoas evacuem o local minutos antes de uma explosão.

Daniel reconhece que alguns desses casos de sucesso é atribuído a pessoas com longa experiência, que são capazes de comparar as situações com que se deparam com centenas de experiências passadas, e encontrar um padrão, inconscientemente. O exemplo acima, certamente o bombeiro deve ter notado a temperatura, o som das portas anti-incêndio através de referências anteriores.

Kahneman também aponta casos numerosos de profissionais que são guiados pela intuição, sem serem conscientes que um estudo mais rigoroso dos problemas podem ter um melhor resultado.

Alguns médicos desconfiam do diagnóstico recomendando diante a um quadro de sintomas, confiando mais em sua intuição do que na prática recomendada. Kahneman argumenta que só tem sentido confiar na intuição de um especialista se essas duas condições são verdadeiras:

  1. Se trabalham num local com alta regularidade, e com problemas que se repetem frequentemente.
  2. Se existe a possibilidade de receber feedback de qualidade das decisões tomadas: por exemplo, os anestesistas podem saber facilmente o resultado das decisões que tomam com os pacientes, mas para os radiologistas, isso é muito mais complicado.

Série completa sobre o Livro “Thinking, Fast and Slow”de Daniel Kahneman:

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