O porquê do preço das entrevistas

Por que algumas coisas que nos rodeiam são como são? Por que um carro tem 4 rodas, capô, porta-malas, o lugar do motorista num lado e dois faróis na frente e dois atrás? Será que os carros seriam assim se os desenhássemos pela primeira vez no século XXI? Ou pelo contrário, estamos re-desenhando continuamente a enésima melhora de uma ‘carroça’ de tração animal? Suspeito que quando criamos coisas novas, estamos mais condicionados por idéias do passado do que pensamos.

Um dos exemplos mais notáveis do peso da herança do passado nas novas criações pode ser visto através de Didier Norton em relação aos foguetes empregados pela NASA para lançar naves ao espaço. Acontece que os engenheiros da NASA queriam desenhar foguetes maiores, mas não puderam fazê-lo porque os componentes necessários deviam ser transportados de trem.

A via férrea que vai a Cabo Canaveral passa por uns túneis muito estreitos. Esta largura foi determinada pela largura dos trilhos, que foi determinada pela largura da via inglesa, que por sua vez provém da largura habitual das estradas, que foram feitas para acomodar a distância das rodas que criavam as carroças ao passar… esta série de dependências acaba na largura da parte traseira de um cavalo, medida que empregaram os romanos mais de 2.000 anos antes para construir suas calçadas.

Creio que com as pesquisas online está acontecendo algo parecido. Por que os painéis online pagam o que pagam a uma pessoa para participar de uma pesquisa? Penso que se a pesquisa de mercado como disciplina tivesse sido inventada no século XXI, contando desde o início com a Internet como via de acesso às pessoas, provavelmente estaríamos pagando mais ao entrevistado. O setor teria feito uma análise de ‘quanto custa para que uma pessoa dê sua opinião’. Mas suspeito que os níveis de incentivo que se empregam na indústria vêm definidos por uma corrente de acontecimentos similar à dos foguetes da NASA.
Reconstruindo os fatos, as coisas poderiam ter sido assim: No final dos anos 90 aparecem as primeiras empresas que tentam obter participações em questionários através da Internet. Ao princípio, vendem a idéia de participar em pesquisas online como uma experiência divertida, enriquecedora, baseada na idéia do ‘sua opinião conta’. Estas empresas, estendendo uma prática habitual da pesquisa off-line, conseguem obter respostas sem oferecer remuneração. Conseguem-no num meio virgem, em que existe certa predisposição à participação por parte dos usuários. Rapidamente esta predisposição decai: os participantes observam que realmente os questionários não costumam ser sobre temas que lhes atraiam (não preciso que minha opinião conte para decidir a cor do logotipo de uma marca de telefonia), não são uma experiência divertida e não estão obtendo nenhuma utilidade clara em troca.

Ante esta dificuldade, os painéis online reagem incentivando de diversas formas. Afinal de contas, estavam produzindo quase sem custos frente à concorrência offline, têm margem para incentivar. Por que aparece esta necessidade de incentivar na Internet quando por telefone ou no face-to-face conseguíamos que as pessoas participassem gratuitamente? Fundamentalmente porque na Internet desaparece a relação entrevistado-entrevistador. Quando um entrevistador aborda uma pessoa para requerer sua participação, na realidade lhe está pedindo ajuda, de uma forma muito direta e quase pessoal. O entrevistado se vê obrigado em certo ponto a participar para ajudar ao entrevistador a ganhar a vida, tanto no sentido positivo, tanto no negativo (é embaraçoso negar ajuda a alguém cara a cara). O participante de uma pesquisa offline não recebe um valor econômico em troca, mas está percebendo um ‘valor empático’: está ajudando a outra pessoa.

Na Internet se rompe a relação humana entrevistado-entrevistador, desaparece o valor empático, e deve substituir-se por outro valor. As tentativas iniciais de usar um valor lúdico (as pesquisas são divertidas) ou um valor social (as pesquisas melhoram o mundo) rapidamente se mostram pouco eficazes: requer-se um ‘valor econômico’ (não necessariamente monetário).

O valor econômico oferecido inicialmente é baixo, é uma resistência do setor que vêm do offline. A baixa participação empurra para cima o incentivo, mas logo encontra um limite: para que vou gastar mais em incentivos do que me custa uma pesquisa offline? Em outras palavras, o incentivo dos painéis online está condicionado claramente ao custo da pesquisa offline, diretamente relacionada com o salário médio dos entrevistadores. O que nós gastamos em incentivar entrevistados é o que antes nós gastávamos em pagar a entrevistadores.

Devemos perguntar-nos duas coisas sobre a prática atual em incentivos de pesquisas online:

1. Esta prática é conveniente a nível metodológico? Não necessariamente. Limitando de forma ‘artificial’ os níveis de remuneração, podemos estar gerando um sério problema de ‘exclusão’ (não resposta): só respondem questionários online aquelas pessoas dispostas a participar da troca do que cobrava um entrevistador por pesquisar pessoalmente. Pelo contrário, deveríamos incentivar às pessoas pensando em oferecer-lhes um incentivo equivalente ao valor que dão ao seu tempo (por exemplo, só investirei 20 minutos fazendo uma pesquisa se o que me dão vale mais a pena do que ir ver TV).

2. Esta prática é eficiente? Agora mesmo é algo quase inevitável. Enquanto o setor não fizer uma reflexão mais profunda sobre o efeito que pode ter a baixa qualidade do trabalho de campo e os problemas de representatividade originados pela ‘não resposta’, o tema da remuneração é uma questão puramente econômica. E neste terreno, uma participação numa pesquisa online não pode custar mais do que uma participação offline.

O setor de pesquisa deve fazer um grande esforço para desenvolver estratégias de remuneração efetivas (não só economicamente eficientes) que introduzam os problemas de representatividade como uma variável crítica a ser levada em conta, superando o critério atual orientado unicamente a custos. Neste sentido existem linhas de desenvolvimento interessantes que podem supor um salto qualitativo e que podem resumir-se na idéia de oferecer a cada pessoa o valor (diferente ao valor de outra pessoa) que fará com que participe numa pesquisa.

Suscríbete a nuestro blog y recibe las últimas novedades aquí o en tu email.